Notícias e Mídia

  • Especialistas criticam propostas do MP contra a corrupção
    23/08/2016

    Em audiência pública da comissão especial encarregada de analisar o projeto que altera a legislação de combate à corrupção (PL 4850/16), advogados e especialistas criticaram pontos da proposta, como as restrições ao habeas corpus e a permissão de uso de provas ilícitas em alguns casos.

    O projeto prevê medidas que dividem opiniões de juristas, como o chamado teste de integridade para funcionários públicos. O teste consiste em simular a oferta de propina para ver se o funcionário é honesto ou não.

    O projeto, apelidado de “Dez Medidas Contra a Corrupção”, foi enviado ao Congresso pelo Ministério Público Federal, com o apoio de 2 milhões de assinaturas.

    Além do teste, a proposta tem outras medidas polêmicas, como a necessidade de o juiz ouvir o Ministério Público antes de conceder habeas corpus para réus que não estão presos e o confisco de patrimônio do corrupto mesmo quando não existem provas de que aquele bem é fruto de corrupção.

    O projeto também aumenta as penas para crimes contra a administração pública e criminaliza o enriquecimento ilícito. Além disso, permite ao juiz não aceitar recursos quando considerar que eles são apenas para atrasar o processo.

    Críticas
    Para os participantes da audiência, as medidas comprometem garantias individuais previstas na Constituição. Segundo o juiz Marcelo Semer, do estado de São Paulo, o projeto tem viés acusatório e fere o ordenamento jurídico brasileiro em diversos pontos.

    Ele criticou a possibilidade de prisão preventiva sem o devido fundamento, o aumento de penas sem levar em consideração a proporcionalidade das punições para outros crimes e a definição das penas de acordo com o tamanho do prejuízo.

    “A proposta tem um viés acusador, cria tipos penais, aumenta alguns outros, abre espaço para uso de provas ilícitas, fragiliza o habeas corpus e parte da premissa errada de que não é possível combater o crime sem ilegalidade”, disse.

    Para Semer, a proposta “se adequa ao velho lema de que os fins justificam os meios”. Ele criticou também limites aos recursos dos réus e à concessão de habeas corpus.

    “Não ficou claro o que é recurso abusivo. Abusivo, no meu entender, é criar obstáculos para os recursos. Criar obstáculos aos embargos infringentes é incabível. Todo o arcabouço legal brasileiro é no sentido de não condenar em caso de dúvida. Os embargos infringentes não chegam a 5% do total. Não há estatística que demonstre que eles atrasam os processos. Aqui simplesmente se restringe direitos”, disse.

    O juiz também criticou a previsão, contida no projeto, de que prova ilícita pode ser considerada válida se obtida de boa-fé. “O projeto dissolve o princípio da prova ilícita. E é uma contradição o conceito de prova ilícita de boa-fé. Permite provas ilícitas para contraditar álibi, ou seja, há um forte estímulo para a produção de provas ilícitas. O policial pode cometer crime para provar a mentira do réu. Mas o crime do policial é pior que o do réu”, disse.

    Sem ler
    Para o advogado Gamil Föppel, professor de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o projeto fere o processo penal. “O projeto é um engenho muito bem feito para rasgar o processo penal sob o pretexto de combater a corrupção. Mas não se combate a corrupção corrompendo o processo penal”, disse.

    Para ele, as pessoas apoiaram o projeto sem ler. “Essas 2 milhões de pessoas assinaram um cheque em branco. O projeto prevê a flexibilização de garantias fundamentais. O problema é que o que causou isso passa, e a flexibilização continua”, disse.

    Föppel criticou vários pontos do projeto, como o aumento de penas para crime de corrupção, a tipificação criminal do enriquecimento ilícito, as limitações para a concessão de habeas corpus e a permissão para o uso de provas ilícitas em determinadas circunstâncias.

    “Se aumento de pena diminuísse crime, nós não teríamos mais crimes hediondos no Brasil. O crime de enriquecimento ilícito para servidor público é desnecessário, já que já existem os crimes de corrupção passiva e peculato. E o habeas corpus é tratado de maneira obscena”, disse.

    Segundo o advogado, o uso de provas ilícitas e o chamado teste de integridade para servidores públicos, com a simulação de vantagens, permitem a prática de flagrantes preparados pela polícia.

    “Peço aos senhores para não aprovarem essas medidas da maneira como estão, já que elas ferem o estado de Direito”, pediu aos deputados.

    Omissões
    Outro convidado, o sociólogo Alberto Carlos de Almeida, autor do livro “A Cabeça do Brasileiro”, disse que o projeto não atinge as causas da corrupção.

    “O projeto não ataca a fonte: o processo eleitoral. Enxuga o gelo em vez de impedir que ele derreta. Se a gente não atacar a fonte, que é o problema da legitimidade do sistema político, não vai adiantar nada”, disse.

    Almeida elogiou a iniciativa de discutir o combate à corrupção, mas destacou a necessidade de aperfeiçoar o sistema eleitoral, de maneira a garantir legitimidade à representação popular.

    Corrupção na privada
    Heleno Torres, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), apontou outra omissão na proposta: a tipificação de crimes de corrupção na iniciativa privada.

    “É preciso também discutir corrupção privada, como cartelização de mercado ou atos que ferem a concorrência, e ampliar os tipos penais em relação a licitações”, disse.

    Equilíbrio

    Para o relator da comissão especial que analisa o projeto, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), é preciso chegar a um equilíbrio em relação à proposta, sem frustrar a população.

    “Respeito a opinião dos convidados, mas não dá para dizer que o ordenamento jurídico brasileiro é suficiente para combater a corrupção. Precisamos encontrar uma maneira de responder a 2 milhões de brasileiros. Mas a resposta tem que ser equilibrada, sem colocar em risco o direito das pessoas”, disse o relator. (Agência Câmara Notícias)


Compartilhar Imprimir Enviar por e-mail

Voltar